quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Acelera Brasil

É com grande esforço que obrigo meus olhos a ficar abertos após um longo dia de trabalho e correrias. Mas seria muito ruim deixar de escrever hoje. Um dia em que não me senti muito bem, não estava muito feliz, sem saber direito o motivo. Entretanto, hoje vi coisas que me chocaram, me emocionaram, e, como sempre, me fizeram refletir sobre a realidade brasileira.
Então descreverei para vocês o que vi hoje. Logo pela manhã - deslocado do meu caminho habitual pois fiquei na casa de uns amigos na Ilha do Governador - peguei um ônibus em direção ao Centro da cidade. Um carro velho e tão barulhento que eu não conseguia escutar o meu mp3. Pessoas humildes, roupas simples, rostos cansados, vidros sujos, calor e por final, lotação máxima. Ruas esburacadas e paradas de cinco em cinco minutos fizeram com que a nossa viagem durasse pouco mais de uma hora. Passando pela Av. Brasil tive a primeira emoção do dia. Estava sentado logo atrás do cobrador e, assim, podia ver todos que entravam. Vi que uma senhora de cabelos brancos e vestido rosa demorava um pouco para subir - normal para idade talvez - mas não, ela era cega. Duas mulheres a ajudavam. O motorista aguardou ela subir. Um rapaz cedeu o lugar - ela não passou na roleta - as duas conseguiram que ela sentasse. Fiquei imaginando se o motorista não percebesse e acelerasse, como eles sempre fazem com aqueles que enxergam, e nem por isso deixam de cair se apoiando nos ferros que encontrar pela frente. Olhei a volta e vi o quão triste é a realidade nacional. Avenida Brasil. Poderia haver um nome que desse um significado tão intenso, tão fiel, que fosse um retrato da estrada pela qual passava. Três ou quatro grandes pistas expressas. Caminhões, onibus, carros passam apressados por ela. E nas duas extremidades, favelas. Simplesmente favelas. Pessoas vivendo na extrema pobreza, enquanto o "desenvolvimento" passa por elas. Passarelas cortam a avenida para que não precise de sinais. O mundo moderno é rápido, passa correndo pelas pessoas para não enxergar a realidade e não correr o risco de alguém ver uma velhinha cega subindo o ônibus e se emocionar. Que coisa desagradável! O povo é o povo. Apenas uma palavra. Os trabalhadores são o que? Trabalhadores ora! Nada mais. Só o que importa é que ele custa menos de 170 dólares. Tá barato po. Se ficar doente, manda embora ta assim querendo.
Enquanto isso eu escutava a Band News e escutei o Boechat falando do Plano de Aceleração Economica, na qual pretendem utilizar os recursos do FGTS para custear obras de infra-estrutura. Os assalariados atuariam então como bancos porém sem dar o consentimento e sem receber juros exorbitantes.
Como se não bastasse, ouvi também que há rumores de que Delfim Netto estaria voltando para o governo. Esse homem tão bem intencionado que já fez o bolo crescer durante a ditadura. Será que continuaremos crescendo sem dividir? Pergunta um pouco ingênua... Só as migalhas para a população que trabalha. Até seria muito bom: lucros maiores, vantage na competição internacional. Porém, as conseqüências já estão sendo colhidas: sequestros, tiroteios, mortes, assaltos. Vale a pena ser rico assim? Só estando vivo já se sente medo nessa cidade.
Sentimento que veio a tona enquanto eu voltava para casa (minhas idas e vindas hoje foram duras mas que eu nunca vou esquecer e me valerá como experiência) e passava pelo, internacionalmente conhecido bairro, Cidade de Deus. A van parou no ponto. E um rapaz estava subindo, um policial - armado de uma arma de grosso calibre - mandou que ele descesse. Revistou o cara. Tirou dinheiro do bolso dele, contou, perguntou para ele onde ele arrumou. Respondeu que trabalhava como cobrador de vans. O PM parecia não se contentar, olhou num bolso, no outro, tirou o boné, dentro do short. Mandou que ele fosse embora. Entrou na van na qual eu estava que ficou esperando por ele durante esse tempo. Andamos cerca de 4 minutos, talvez menos, e um gol da PM com quatro homens fortemente armados veio atrás de nós e mandou que a van parasse. O rapaz foi obrigado a descer. Logo tomou um soco no peito, dedos na cara, esporros, os quatro PMs levaram-no para um canto escuro.
A van prosseguiu. Ainda atordoado, não só por ver uma pessoa sofrendo aquelas humilhações como também pela apreensão de que pudesse haver algum enfrentamento na rua. Não por parte do rapaz, pois este não estava armado, mas por outros que porventura passassem.
Fazendo mais uma alusão com o noticiário, lembrei do que vi logo cedo no Bom Dia Rio da rede Globo. Os policias de um batalhão de Paraty (estado do rio) que tirou fotos com turistas. Tudo bem ne, por que nao? Eles só, só emprestaram os fuzis para as mulheres e as algemaram para que batessem a foto fazendo uma grande balburdia com a imagem - já deteriorada - da segurança pública. O comandante do Batalhão disse que iria apurar.
Entretanto um calor forte e sufocante dominou a paisagem carioca e um professor não muito assiduo completou a felicidade do meu dia. Por isso, deixarei as reflexões pendentes para amanhã.